domingo, 18 de janeiro de 2015

Féretro..olhar

Do sonho rasgado pela janela, do tempo perdido pelos ponteiros sem horas, do sonho fugido e escapado, das mãos covardes frente o tempo voraz que nos devora...nos empurra mais para perto dos dias que um dia pareciam que nunca iriam chegar... os tempos certos de um sucesso inigualável, com sabor viril de vitória na boca...os dias de gloria que não estão lá...no aqui e no agora... os aplausos surdos de uma vida desperdiçada!

Ele era de um frescor invejável, uma potência de querer acima dos sóis desgarrados das nuvens negras, era um menino frente os gigantes invencíveis com ar de Dom imbatível, com as calças largas de tanto querer ser maior, com os travesseiros suados de tanto transpirar seu sonho pelos poros cada noite dormida... as pupilas trincadas pelo brilho de tanto chorar por trás dos olhos a alegria da certeza que tinha de vencer...tudo e todos... os mais pérfidos e os mais brandos, a mais odiosa e a mais marota das marolas incansáveis de um mar cada dia menos profundo...cada hora menos azul... a cada noite menos sonhador!... 

...e os carros eram fortes demais para puxar os cavalos da humildade de suas pretensões... e os estímulos eram brilhantes demais para não ofuscar o agora vítreo brilho do seu olhar de pedra lascada... as rodas gigantes de neon preto e branco, chorando o algodão doce esfarelado pelo ar como as bolhas de sabão explodidas dentro das infinitas taças que lhe perseguiam ao longo dos anos intensamente frágeis... os anos das casas sujas de paredes encardidas por memórias tristes, os anos dos palcos vazios abandonados por memórias inexistentes, os anos dos encontros marcados fuzilados pelas trincheiras das consequências das escolhas imutáveis...as memórias inesquecíveis!


Tudo isso passando com a violência tácita de uma apatia cega, como a chuva passa deixando seu rastro pela mesma autêntica janela dos seus olhos, do seu quarto, do seu lar... a mesma janela que dá para o mundo lá fora... arranhada pelo mofo do tempo sem lar... aquele que mora dentro do lugar que fingimos não existir.... por de trás da máscara das grandiloquentes e também das órdinarias e cotidianas alegrias... dentro demais para ser somente uma fase... tempo demais para ser apenas um sintoma.... a doença da insensibilidade absoluta de uma vida morta... eis o que é! o pássaro falecido dentro de nós..., era ali que doía, era ali que o bico entortava e o zumbido não deixava nada nunca em paz. Era para lá que todos os sorrisos eram tragados, todas as cores mastigadas, os sabores desmanchados...o ralo, o vórtice, o fim do mundo dentro da alma.... era ali que estava germinado o silêncio ensurdecedor, e a vontade da não vontade, era ali onde o calor dos gestos se derretiam em gelo...a janela quebrada e o calar das notas de um piano mudo também dormiam ali!... nesse lugarzinho maldito dentro de nós...para quando nós somos eu...para quando eu sou esse lugar medonho e dolorosamente assustador... um nada, um pedacinho minúsculo de terra dentro do quase infinito jardim, pelo menos era assim, há anos atrás, tão minúsculo, tão inofensivo, tão fácil de se subestimar...! e sim, agora me deparo com os vidros da janela quebrados pelo chão... todos eles, cortando os pés descalços sujos de terra molhada...o gosto da chuva esfumaçada perdido pela paisagem tumular...por ali, perto da grama verde de uma esperança jovial, ingênua, quase infantil...! ele era sempre tão pequeno... mas já grande demais para crescer, ou para além dos dias mortos e dos tempos sem horas, ter cavado uma discreta cova...!

Nesse lugarzinho tem uma lápide branca e um corvo negro sobre seu busto secular...e talvez, nesse lugar onde sem querer enterramos o nosso sonho, haja ainda mais um lugar... que nos treme, e ainda nos mata um pouco mais...  um lugar, ao lado da lápide dos sonhos, para ali também se deitar o amanhã, o tal dia da vitória um pouco mais amarga e já não mais tão espontânea... tão pura! o dia em que voltaremos a sonhar!

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