Empredrado no gesso do tempo, vi minha carcaça boiano no mar
Vi as selvas bárbaras dos homens selvagens envolvendo o
tempo que ainda sobrava no mundo...
Era tudo igual, sempre estava lá o mesmo lugar de sempre, o
mesmo lugar...
Os prédios, as arvores, os orelhões extintos, os bichos, os
pernilongos, os concretos desfalecidos das paredes descascáveis, os modernos túneis de transporte, os
raios, os fios, as pontes, as telhas deslocadas, todas elas no mesmo lugar... no mesmo
teto!... sobre nossa cabeça um telhado de osso sem o qual nao poderíamos
pensar... era como se a Terra nao girasse... como se nao fosse possível
perceber toda instância do mundo ao redor... simples e estático,, trêmulo em
sua rotação! Nao, eu grito por favor parem com esse movimento... a Terra está
parada, e com ela meus pés fincados no tempo me dão a inequívoca sensação de um tardio
envelhecimento... como se a conta viesse toda de uma vez... como se nunca nada disso houvesse acontecido...! nada, apenas
eu e o vazio atemporal das nossas insignificantes conversas, nossa cotidiana troca
de olhar, nosso querer estar perto estando ao lado um do outro, o andar
despreocupado das pessoas vivas e alegremente naturais..., naturalmente felizes no mundo
derretendo-se como um quadro fresco molhado pela chuva... derramando sorvete
pelos dedos, chorando pelos cantos, emocionando-se com a neve sobre as copas,
pedindo o troco, pagando a conta e girando a catraca, olhando para o reflexo do
sol nos vitrais da igreja e pensando: Quanta beleza ao meu redor!
Isso, eu via tudo isso e ao mesmo tempo nao conseguia
chorar... as minhas lágrimas nao faziam parte de mim, pertenciam a uma
sensação, a um lapso inapreensível de emoção corriqueira e superficial...
banal, produto de uma óbvia provocável comoção e feita para ser esquecida, como
todos os momentos emocionantes do dia que não lembramos nunca mais! Para eles estava
a beleza toda desperta em olhos cuja visão não poderia jamais ver... todos
vivos e alegres numa tristeza cordial... assim era a convenção da vida, aceitar
que ainda não estamos mortos...e que talvez, muito provavelmente, nunca
estaremos... tudo isso fazia o por do sol se por menos todos os dias, porque é
como se ele fosse obrigado a estar ali para sempre... porque senti-lo hoje? E assim
vagamos sem ver as coisas mais belas, porque pensamos poder ver para sempre.
Essa falaz noção de infinitude nos deixa com um amargo gosto na língua! Cético paladar. Por que sentir a brisa fresca
desse vento crepuscular, se a face estará sempre congelada frente a
insensibilidade bruta desse simulacro de eternidade? O tempo e o vento que voa. Para que amar hoje se
sobre meus pés tenho a vida inteira estendida feito um tapete repleto de
alegorias pessoais? Sinto que ainda não existimos. Para que então ser feliz agora, se não preciso morrer amanhã?
Esse tormentos giravam ao meu redor, junto com a estática rotação da
Terra, que continuava parada...mesmo quando fechava os olhos, o mundo nao se
mexia, e eu nao podia fazer nada para colocá-lo em movimento. Sonho
desesperador... estar amarrado para sempre na vida, sem poder se mexer, sem
poder mexer as coisas, sem poder mudar o mundo de lugar...! Nao, isso nao devia estar
certo, e o enxerto de sonhos no dia a dia dos pesadelos devia nos deixar acordar!
Era tudo tão incerto, o tempo e os sonhos, as felicidades e os medos, os ganhos
e as derrotas, que a impressão de se estar com os pés fincados no chão transformava
a segurança de simplesmente estar numa inamovível âncora. Fundeados no fundo do mar...como
uma caravela velha fantasma afundada no esquecimento, por onde os peixes coloridos e palhaços passam para brincar. Era essa a imagem
refletida no espelho dos dias quando vi minha carcaça boiando no mar... todos os santos dias, de manhã quando acordamos, nos banhamos
e nos vemos, e apesar de mais velhos, temos a mesma impressão de que nada mudou... de
que ainda somos jovens... e de que algum um dia, iremos conseguir vencer!
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