sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A EX-CULTURA VIVA

Empredrado no gesso do tempo, vi minha carcaça boiano no mar
Vi as selvas bárbaras dos homens selvagens envolvendo o tempo que ainda sobrava no mundo...
Era tudo igual, sempre estava lá o mesmo lugar de sempre, o mesmo lugar...
Os prédios, as arvores, os orelhões extintos, os bichos, os pernilongos, os concretos desfalecidos das paredes descascáveis, os modernos túneis de transporte, os raios, os fios, as pontes, as telhas deslocadas, todas elas no mesmo lugar... no mesmo teto!... sobre nossa cabeça um telhado de osso sem o qual nao poderíamos pensar... era como se a Terra nao girasse... como se nao fosse possível perceber toda instância do mundo ao redor... simples e estático,, trêmulo em sua rotação! Nao, eu grito por favor parem com esse movimento... a Terra está parada, e com ela meus pés fincados no tempo me dão a inequívoca sensação de um tardio envelhecimento... como se a conta viesse toda de uma vez... como se nunca nada disso houvesse acontecido...! nada, apenas eu e o vazio atemporal das nossas insignificantes conversas, nossa cotidiana troca de olhar, nosso querer estar perto estando ao lado um do outro, o andar despreocupado das pessoas vivas e alegremente naturais..., naturalmente felizes no mundo derretendo-se como um quadro fresco molhado pela chuva... derramando sorvete pelos dedos, chorando pelos cantos, emocionando-se com a neve sobre as copas, pedindo o troco, pagando a conta e girando a catraca, olhando para o reflexo do sol nos vitrais da igreja e pensando: Quanta beleza ao meu redor!


Isso, eu via tudo isso e ao mesmo tempo nao conseguia chorar... as minhas lágrimas nao faziam parte de mim, pertenciam a uma sensação, a um lapso inapreensível de emoção corriqueira e superficial... banal, produto de uma óbvia provocável comoção e feita para ser esquecida, como todos os momentos emocionantes do dia que não lembramos nunca mais! Para eles estava a beleza toda desperta em olhos cuja visão não poderia jamais ver... todos vivos e alegres numa tristeza cordial... assim era a convenção da vida, aceitar que ainda não estamos mortos...e que talvez, muito provavelmente, nunca estaremos... tudo isso fazia o por do sol se por menos todos os dias, porque é como se ele fosse obrigado a estar ali para sempre... porque senti-lo hoje? E assim vagamos sem ver as coisas mais belas, porque pensamos poder ver para sempre. Essa falaz noção de infinitude nos deixa com um amargo gosto na língua! Cético paladar. Por que sentir a brisa fresca desse vento crepuscular, se a face estará sempre congelada frente a insensibilidade bruta desse simulacro de eternidade? O tempo e o vento que voa. Para que amar hoje se sobre meus pés tenho a vida inteira estendida feito um tapete repleto de alegorias pessoais? Sinto que ainda não existimos. Para que então ser feliz agora, se não preciso morrer amanhã?



Esse tormentos giravam ao meu redor, junto com a estática rotação da Terra, que continuava parada...mesmo quando fechava os olhos, o mundo nao se mexia, e eu nao podia fazer nada para colocá-lo em movimento. Sonho desesperador... estar amarrado para sempre na vida, sem poder se mexer, sem poder mexer as coisas, sem poder mudar o mundo de lugar...! Nao, isso nao devia estar certo, e o enxerto de sonhos no dia a dia dos pesadelos devia nos deixar acordar! Era tudo tão incerto, o tempo e os sonhos, as felicidades e os medos, os ganhos e as derrotas, que a impressão de se estar com os pés fincados no chão transformava a segurança de simplesmente estar numa inamovível âncora. Fundeados no fundo do mar...como uma caravela velha fantasma afundada no esquecimento, por onde os peixes coloridos e palhaços passam para brincar. Era essa a imagem refletida no espelho dos dias quando vi minha carcaça boiando no mar... todos os santos dias, de manhã quando acordamos, nos banhamos e nos vemos, e apesar de mais velhos, temos a mesma impressão de que nada mudou... de que ainda somos jovens... e de que algum um dia, iremos conseguir vencer!

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