sábado, 31 de janeiro de 2015

O ENTERRO

No pranto tênue do silêncio escuro, fremia a sua imagem
Nos recantos refletida, um homem pálido de cinza e preto
Pelos corredores da serventia, sem pálio sobre os olhos
Sem pálpebras nos dedos, seu silêncio lhe consumia
Para além dos mortais segredos, para  depois do fim dos dias
Seu silêncio lhe consumia, na alma onde vivia

No quarto o teto lhe encolhia, nos quadros uma alegoria
Dos rostos escassos de uma memória incansável de lembrar
O que tinha feito para esquecer, a lembrança de uma juventude
Onde viver era perder-se no silêncio de um olhar
Quando as lágrimas falavam junto ao menino do homem que chora
Em silêncio, sobre a pele gasta da cama, sobre a membrana cálida dos olhos

O lustre placidamente arranjado sobre sua cabeça, estava quase dançando
Pendular, visto a porta ainda aberta, se opondo a moldura da janela,
E o vento lhe fazia dançar, com seu uivo tanto agudo, assustoso e cortante,
Espalhava-se como uma lâmina no tempo, uma faca quando corta o ar,
Deleitava-se em seu réquiem, quando a noite se faz uivar tonante
E os gritos das almas de quem amamos nos fazem assombrar

Dividia a solidão dos móveis com os delírios em seu pensamento,
O cinza e o preto lhe tingiam a pele como descorando o seu teor humano
Perdia as cores dos móveis, dos objetos imóveis, dentro e fora de seu penhor
Coração silenciado, abdicado do amanhã ainda neonato, para mortificar-se
Um horror sem palavras como conforto, nem o gesto ser amável,
Nem o quarto acolhedor, ruminava em silêncio os pedaços desse amor

E a noite avançava, vinha sediciosa  pelos candelabros imaginários,
Rompia as claraboias escuras, os cimentos descascados, subia pelas
Heras e pelos espinhos violentos, rasgava o linho das cortinas ensebadas,
E alastrava-se junto ao mofo corrosivo de todo um andar, parado no tempo
A torre da noite, no cemitério dos dias que vivemos e não voltam mais,
Disseminava seu cântico das altas horas e seu silêncio sepulcral

Os dias que não vão voltar, e a noite que não vai parar de engolir
O dia, não vai parar de galopar lancinante pelos vales sombrios e frios
Das lembranças desse homem escurecido, que vive hoje no passado
Os dias não vividos, sucumbido pelo desajuste da comunhão, descolorado
Penteava o cabelo frente a um espelho secular, cuja moldura se faz
Berrante de torço barroco, seus olhos vítreos e fundos, seu rosto oco

Fazia-se enxergar frente ao pitoresco encontro de olhar, quando a si
Mesmo no plano encara, no lago dos silêncios a se espelhar, o nosso
Rosto e a cara, sozinha no espelho retorcido, no emudecimento
Desse olhar, via e sem enxergar os contornos de si mesmo, sem delimitar
Seu começo meio e fim, rompia o silêncio tumular, e punha-se aos prantos
Como a dor de um punhal na barriga, um grito cego, seco, a faca cortando o ar

Transtornada a alma emudecida, nao sabia como dizer o que sentia
Nao sabia como chorar, a alma retorcida pelos passados acumulados
Os dias transbordavam de sua ânfora cardíaca, outra mágoa não cabia
Outro silêncio não falaria mais da solidão que lhe trazia as noites vazias
O tempo escorrendo pelos olhos, úmido e intumescido, junto as horas
Da madrugada de seu despertar, quando olhava em silêncio seus olhos a fitar

O medo e crime de seu eu assassinar, sempre pelo mesmo inicio de um nova
Vida sepultar, quando defunto os dias de engano de uma dor sem volume
O navio chegando ao fundo, de novo a queda que parte torturante para o cume
Sem saciar, sem apaziguar o terreno dos dias nascidos para morrer
Não poderia se esquecer de tudo que não foi viver, não poderia de novo olhar
O retorno insubmisso de sua escravidão, o tempo passado e talvez  o futuro

Quando no silêncio quebrado pelos cacos caindo no chão, os filetes
De seu reflexo estilhaçado no espelho, transbordado, quando a hora
Do embrutecido carrilhão, lhe assomou mais um minuto de fardo
Saltaram-lhe os olhos da cara, fechados os dias da visão, uma súbita parada
O desmoronamento da cardíaca ilusão, era a noite fechada no peito em silencio
E um velório marcado no féretro olhar do seu reflexo e solidão

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Caia um dia no tempo,
Caia um homem no chão
Se não dermos voz ao silêncio,
Morreremos todos de fome
E inanição



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

TEMPESTADE


Nao importa onde começa chover, nós sempre nos abrigávamos no meio da  tempestade...
Existia um lugar onde o tempo não alcançava, existia entre nós um santuário onde as migalhas medíocres da vida não encostavam nem a pata, nunca! ,,, éramos a pureza dessa chuva ácida no meio da cidade esplendorosamente podre...éramos suas impurezas misturadas com nossa perfeita podridão... éramos os lugares devassos da mata virgem onde as feras faziam sua vertiginosa aparição poeticamente vulgar, ! os bichos se comendo aos pedaços, e as nossas festivas noites onde tu eras o teu próprio carrasco e eu era o pitoresco anfitrião....

E no silêncio uma trovoada rasgava o papel de parede, como uma navalha em abstinência. Tremia do prédio os alicerces, e da alma, a resistência!

Os cadarços soltos, os coturnos cheios de barro, os estilhaços sobre o piso, as notas enroladas ao acaso...

Era de dentro de mim que saia o trovão, e na pálida apoteose dos deleites invencíveis, éramos a magia no espelho alterado do quarto dançando em cima dos cacos de vidro... os cacos do teu olhar, espalhados em cima do meu peito molhado, corroído de exaustão, desmilinguido!

Chovia dentro do quarto. Bruta tempestade. Éramos tragados pelo seu vórtice e no corpo as gotas do suor de garoa... a chuva quente escorrendo da pele, transbordando pelos poros, a chuva de dentro, vagando pelos lençóis, manchando os tecidos, entranhando seu cheiro feito enxofre de  uma bruta erupção,,,... vazando pelas glândulas do espaço, pelos gânglios em ebulição... uma aniquilação sem forma, sem precedentes, um rosto sem face na argila do barro....éramos a pele quente de um vulcão ativo, a lava fervente de um hálito selvagem, o espinho ereto de uma rosa em compulsão... !

Uma imagem se fundia no espelho e no socorro daquela face em grito surdo de estafa, um súbito acesso de loucura

a rosa tatuada presa dentro do quarto, e a febre do grito e do suspiro de um enlace em alta tensão...

um homem era atirado pela janela e as drogas estavam quebradas, espalhadas pelo chão!

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Sou o pânico do seu vicio, o adicto em sua imolação,
Na febre da noite calada pelos tiros de notas marcadas
Sou a eterna dose da total insatisfação
O nó apertado, e a fumaça prensada, sou a latrina do teu esgoto
E o desgosto invisível no teu rosto...dissimulado
O pálido olhar maculado, sou a mira atrás da nuca,
Atrás da porta sou sua puta...
Na efervescência de uma dor sem limites
O chicote, a lâmina, e o consolo
Sou o prazer de matar tudo aquilo que insiste
Em dizer NÃO
Sou o certo, o errado e o foda-se
A doença, a cura e o perdão
Nos meus olhos um irmão
No teu coração,
Um ladrão
Vive a alma mais um dia para sempre
Como sempre soube bem viver
Sou a vida a mais de cada anjo
Homicida
Absolviçao
Sou a morte sincera de cada refrão
Dos anos, dos dias, dos minutos de poesia
No relógio quebrado no pulso cortado da parede
Sou a corda, a máquina, e o cético anacronismo
Na tua inveja de olheiro discreto espreitador
Sou o amante, o desejo e o cinismo
A caça e o predador
Para sempre dentro de ti
Para sempre em teus pensamentos
Nao se livrará de mim nunca mais
Que a morte não nos separe
E que a vida nos torne
Imortais










sábado, 24 de janeiro de 2015

THE EDEN

O grito, destilado dos ouvidos remotos, dos contornos cegos em torno do meu espaço...
O começo da ponte em seu trajeto sem final,
Era a minha alma descalça, torrente, no grito da noite de um crime nas raízes da terra, quando a alma é jardim....quando o ceifador são as fantasmagóricas irrealizações, nas ânsias dos tempos remotos, remoto o controle que ainda tenho de mim...
A ponte sem sentido e o espaço sem fim abrigado em meu peito... o torrencial defeito do linguajar, e a impronuncia imprópria das palavras certas na recorrente hora marcada... A maldita hora de jantar!


Um grito de fome,
Um grito de desterro,
Um grito sem sim...
Sem sinal de volume torrencial...sem final.... continuo, estridente, e melancólico...

Somos assim, sem vozes no meio da noite surda, alcoólicos pouco anônimos  e mudos,  sem forças no meio da vida presa num cinzeiro chinês,
sem certezas no meio no trilho do trem vagarosamente vagão, alucinadamente refém...
Um pouco ateu, um pouco pagão
Deformados os deuses em delírios antropozoomórficos
Quando sua verdadeira face é a solidão
O trilho sem trem
E o amor que ninguém tem

Somos um só e mais do que cem, um andarilho no bascular do meu peito carrilhão, um tormento belicoso no meio termo de uma pedra preciosa, gasta, machucada....em um minuto de demência, sinto em minhas mãos peladas as consequências da vida sem tino, sem tina, sem amórficos campos de escape nas sobre doses de morfinas...maquiadas, enfeitadas, diluídas, apuradas sinteticamente como as plantas de plástico no jardim da mesma alma que penhorada na juventude, na encruzilhada, sem querer encontrou seu fim....

O inicio e o fim
E o mundo inteiro dentro de mim

Caminha assim a alma ampliada,
E o vasto séquito de fantasmas
Dos insucessos queridos
Lobos incompreendidos,
Efeitos surtidos no jardim
A alcateia dos homens
E os fracassos de mim

Sou a vida um tanto nefasta
Porão dos homens covardes
Sou a noite no além e
A voz quando ultrapassa, vasta
Incoerente imensidão, dos
Lumes sinceros de uma vida
Inteira coração

Sou essa alma devassa na frente do espelho, no olor da carcaça afoita
Implorando perdão

“nao meu filho, nao se machuques mais... viver é uma arte”

E no silencio dos corpos de todos os homens, nos lençóis sujos de todas as camas que me deitei, nos corredores inóspitos de todos bordeis que saqueie, sem luvas, sem vestimentas, sem culpas, sem consciência,  inflijo na memória o gosto sublime do prazer... respiro tudo aquilo que me resta e nada do que nunca saberei.... eles foram todos embora,  todos os homens que nunca amei...  e agora, só me resta o silêncios dos corpos empalhados no corredor... desvanecidos todos os feitiços, o cheiro de carne exorando uma absolvição... todos eles, esperando o julgamento final...
E no osso roído dos meus dedos vencidos a pena
Sentenciado escrevo
Pecado original





sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

A EX-CULTURA VIVA

Empredrado no gesso do tempo, vi minha carcaça boiano no mar
Vi as selvas bárbaras dos homens selvagens envolvendo o tempo que ainda sobrava no mundo...
Era tudo igual, sempre estava lá o mesmo lugar de sempre, o mesmo lugar...
Os prédios, as arvores, os orelhões extintos, os bichos, os pernilongos, os concretos desfalecidos das paredes descascáveis, os modernos túneis de transporte, os raios, os fios, as pontes, as telhas deslocadas, todas elas no mesmo lugar... no mesmo teto!... sobre nossa cabeça um telhado de osso sem o qual nao poderíamos pensar... era como se a Terra nao girasse... como se nao fosse possível perceber toda instância do mundo ao redor... simples e estático,, trêmulo em sua rotação! Nao, eu grito por favor parem com esse movimento... a Terra está parada, e com ela meus pés fincados no tempo me dão a inequívoca sensação de um tardio envelhecimento... como se a conta viesse toda de uma vez... como se nunca nada disso houvesse acontecido...! nada, apenas eu e o vazio atemporal das nossas insignificantes conversas, nossa cotidiana troca de olhar, nosso querer estar perto estando ao lado um do outro, o andar despreocupado das pessoas vivas e alegremente naturais..., naturalmente felizes no mundo derretendo-se como um quadro fresco molhado pela chuva... derramando sorvete pelos dedos, chorando pelos cantos, emocionando-se com a neve sobre as copas, pedindo o troco, pagando a conta e girando a catraca, olhando para o reflexo do sol nos vitrais da igreja e pensando: Quanta beleza ao meu redor!


Isso, eu via tudo isso e ao mesmo tempo nao conseguia chorar... as minhas lágrimas nao faziam parte de mim, pertenciam a uma sensação, a um lapso inapreensível de emoção corriqueira e superficial... banal, produto de uma óbvia provocável comoção e feita para ser esquecida, como todos os momentos emocionantes do dia que não lembramos nunca mais! Para eles estava a beleza toda desperta em olhos cuja visão não poderia jamais ver... todos vivos e alegres numa tristeza cordial... assim era a convenção da vida, aceitar que ainda não estamos mortos...e que talvez, muito provavelmente, nunca estaremos... tudo isso fazia o por do sol se por menos todos os dias, porque é como se ele fosse obrigado a estar ali para sempre... porque senti-lo hoje? E assim vagamos sem ver as coisas mais belas, porque pensamos poder ver para sempre. Essa falaz noção de infinitude nos deixa com um amargo gosto na língua! Cético paladar. Por que sentir a brisa fresca desse vento crepuscular, se a face estará sempre congelada frente a insensibilidade bruta desse simulacro de eternidade? O tempo e o vento que voa. Para que amar hoje se sobre meus pés tenho a vida inteira estendida feito um tapete repleto de alegorias pessoais? Sinto que ainda não existimos. Para que então ser feliz agora, se não preciso morrer amanhã?



Esse tormentos giravam ao meu redor, junto com a estática rotação da Terra, que continuava parada...mesmo quando fechava os olhos, o mundo nao se mexia, e eu nao podia fazer nada para colocá-lo em movimento. Sonho desesperador... estar amarrado para sempre na vida, sem poder se mexer, sem poder mexer as coisas, sem poder mudar o mundo de lugar...! Nao, isso nao devia estar certo, e o enxerto de sonhos no dia a dia dos pesadelos devia nos deixar acordar! Era tudo tão incerto, o tempo e os sonhos, as felicidades e os medos, os ganhos e as derrotas, que a impressão de se estar com os pés fincados no chão transformava a segurança de simplesmente estar numa inamovível âncora. Fundeados no fundo do mar...como uma caravela velha fantasma afundada no esquecimento, por onde os peixes coloridos e palhaços passam para brincar. Era essa a imagem refletida no espelho dos dias quando vi minha carcaça boiando no mar... todos os santos dias, de manhã quando acordamos, nos banhamos e nos vemos, e apesar de mais velhos, temos a mesma impressão de que nada mudou... de que ainda somos jovens... e de que algum um dia, iremos conseguir vencer!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

CORDÃO UMBILICAL

E dentro dessa barriga de tempo aberta entre nós
Eu vi meu paradeiro, para além das ribanceiras tais
Eu vi os teus olhos na janela sobre o pórtico das estátuas
Negras, imortais...

Eu vi os ais dos teus medos todos partilhados juntos as cartas
Na mesa, junto as fichas gastas apoiadas sobre o veludo verde da távola
Apostam os amore futuros para pagar as dívidias dos amores do passado
Eu vi nos teus olhos o precipício,
E nas tuas lágrimas o meu medo de saltar
Vi que dentre as flores das nossas palavras,
Era na respiração dos silêncios que o espinho saltava

Sou inteiro e fraco,
Sou forte e vacilante
Sou a paz do claustrofóbico
Sou o laço angustiante

Vivo o pedaço mais longínquo de mim
Nao sei como nao me perder
E tenho em teus braços o timão da direção amena

Eras doce, porem sátiro,
Eras amargo e também fálico
Eras o princípio do tempo para não se preocupar mais
Não sabia estar ao teu lado, simplesmente por não saber mentir
Dizendo a verdade...não sabia dizer que podia estar dentro de ti
Uma única vez, para sempre da mesma forma, constante e liberal...

Não sabia dizer que amava por entender ser maior o peso da culpa
De se amar fazendo sofrer do que se deixar ser amado sem culpa de ser

Estou livre libertamente preso em ti, agarrado feito um fantasma na sepultura dos olhos do mundo passado...
a névoa se dissipa e veste-te como um manto beatificado
Pelo afeto e pela comunhão

São apenas palavras arranhadas numa lápide de dias mortos,
O tempo passado
Apenas entranhas sendo expurgadas pela luz do Sol
Mas ainda mais sincero do que nunca
Por esse instante milagroso que seja
Sejamos mais do que pó, e mais do que doenças rabiscadas na lousa do nosso coração
Sejamos cardíacos e esquizofrênicos sobre a luz pálida do luar visceral em prontidão felina
O laço e o cordão
E um abraço de um amigo querido nos porões inóspitos da infatigável
Impenetrável
Insondável solidão


   

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

ANOITECER

Para que se preocupar se existe outro dia?
Os galhos das árvores no inverno serão floridos
A fome do dia dos meninos descalços será suprida
Por outro dia de fome, ou por uma esmola
Os restos do dia num prato de comida

Para que se preocupar se vamos conseguir mudar?
Se tudo é sensação e desejo, pra que desesperar?
Nao há palavras que valham um perdão
Nao há nada que transforme o passado
Nao há amor sem solidão

.....


o tempo estancado no relógio, era o dia de ontem que eu não tinha vivido...
as luzes da cidade apagada nos meus sonhos, os pequenos tremores nos corações sísmicos dos amantes desconhecidos, os bailes esfumaçados dos povos ciganos das minha imprecações junto aos jovens delírios de libertinagem vadia e honesta, todos eles esfumaçados no quadro de um pensamento embotado pela vergonha da estagnação.., tic tac tic... e a marcha nao anda, e a nota nao desenrola, e o cardume das sereias montadas não passa pelas nuvens rosas do céu infernal, os peixes estrelados dos nossos sonhos embaixo do oceano... era ali que sepultava os desejos e os tesouros da utopia secreta... A felicidade ! o jardim pleno sem macieiras, sem covil! Estamos todos sós no meio da noite, e a madrugada avança para devorar suas carniças.. suas crianças... os imolados nos sacrifícios lunares, os bestiais viciados na aguardente dos corpos, os maquiados pelos pincéis dos artistas embriagados, policiais sem armas, amantes sem lençóis, juízes sem óculos, ébrios sem copo...todos dirigindo no meio da noite sísmica, pelos tremores dos arredores desse mundo de medo caótico e insustentável solidão.... fingimos que não estamos sós para morrermos ainda mais SOS do que quando nascemos uma vez na vida... mais desesperados, mais distantes de tudo que nos torna humanos.... do amor, talvez, o único refúgio das almas a deriva, do tempo sem guia, da fome sem poder saciar nunca... estilhaçamos as unhas carpindo na carne os arranhões da solidão e do medo... rangendo os dentes quase como uma fornalha devoradora de seres combustíveis.... e a madrugada acelera seus pistões, e os olhos afundam ainda mais na cara, e o cadáver em decomposição começa a exibir  suas rugas por debaixo da pele senil... A pele dos ossos! 

Escuto os sinos no prenúncio de sua chegada triunfal, o gosto da impotência nos lábios e todo o resto cuidadosamente espalhado pela sala de estar...! as mesinhas de centro, os vaso empilhados de plantas sufocantemente verdes, quase vivas, as estampas extravagantes das almofadas exóticas, os bichinhos de vidro, o álbum de fotografia...tudo isso junto ao cheiro forte de café fresco se impregnando no pobre papel de parede... afinal, qual o papel ideal para cobrir os nossos tijolos? Quanto tempo isso dura? Uma vida inteira? Um fim de semana nas montanhas? Uma noite inteira sozinho? Para onde cruzar quando as pontes formaram um circulo? Numa única mirada enxergo todos os ratos do mundo...e todos eles mortos de fome... nao tenho medo de perder a esperança, mas aquilo que me faz querer acreditar nela... ou será que é preciso? É mesmo preciso acreditar para atravessar a madrugada de todos os dias?, para endireitar a ponte? Talvez a crença torne a escuridão mais colorida, mais fácil de enxergar! Mas acreditar em que? Tantas são as respostas vagas e humildemente prepotentes que sigo surdo no meu tecer... na rede da vida vaga, sem sombra ao meio dia, esperando tremulamente o amanhecer...esperando que ela venha sem avisar, e responda com o seu basta tudo que nós sempre tivemos medo de sentir na vida!, o sombrio gosto da morte!