No pranto tênue do silêncio escuro, fremia a sua imagem
Nos recantos refletida, um homem pálido de cinza e preto
Pelos corredores da serventia, sem pálio sobre os olhos
Sem pálpebras nos dedos, seu silêncio lhe consumia
Para além dos mortais segredos, para depois do fim dos dias
Seu silêncio lhe consumia, na alma onde vivia
No quarto o teto lhe encolhia, nos quadros uma alegoria
Dos rostos escassos de uma memória incansável de lembrar
O que tinha feito para esquecer, a lembrança de uma
juventude
Onde viver era perder-se no silêncio de um olhar
Quando as lágrimas falavam junto ao menino do homem que
chora
Em silêncio, sobre a pele gasta da cama, sobre a membrana
cálida dos olhos
O lustre placidamente arranjado sobre sua cabeça, estava
quase dançando
Pendular, visto a porta ainda aberta, se opondo a moldura da
janela,
E o vento lhe fazia dançar, com seu uivo tanto agudo,
assustoso e cortante,
Espalhava-se como uma lâmina no tempo, uma faca quando corta
o ar,
Deleitava-se em seu réquiem, quando a noite se faz uivar
tonante
E os gritos das almas de quem amamos nos fazem assombrar
Dividia a solidão dos móveis com os delírios em seu
pensamento,
O cinza e o preto lhe tingiam a pele como descorando o seu
teor humano
Perdia as cores dos móveis, dos objetos imóveis, dentro e
fora de seu penhor
Coração silenciado, abdicado do amanhã ainda neonato, para
mortificar-se
Um horror sem palavras como conforto, nem o gesto ser
amável,
Nem o quarto acolhedor, ruminava em silêncio os pedaços desse
amor
E a noite avançava, vinha sediciosa pelos candelabros imaginários,
Rompia as claraboias escuras, os cimentos descascados, subia
pelas
Heras e pelos espinhos violentos, rasgava o linho das
cortinas ensebadas,
E alastrava-se junto ao mofo corrosivo de todo um andar,
parado no tempo
A torre da noite, no cemitério dos dias que vivemos e não
voltam mais,
Disseminava seu cântico das altas horas e seu silêncio
sepulcral
Os dias que não vão voltar, e a noite que não vai parar de
engolir
O dia, não vai parar de galopar lancinante pelos vales
sombrios e frios
Das lembranças desse homem escurecido, que vive hoje no
passado
Os dias não vividos, sucumbido pelo desajuste da comunhão,
descolorado
Penteava o cabelo frente a um espelho secular, cuja moldura
se faz
Berrante de torço barroco, seus olhos vítreos e fundos, seu
rosto oco
Fazia-se enxergar frente ao pitoresco encontro de olhar,
quando a si
Mesmo no plano encara, no lago dos silêncios a se espelhar, o
nosso
Rosto e a cara, sozinha no espelho retorcido, no
emudecimento
Desse olhar, via e sem enxergar os contornos de si mesmo,
sem delimitar
Seu começo meio e fim, rompia o silêncio tumular, e punha-se
aos prantos
Como a dor de um punhal na barriga, um grito cego, seco, a
faca cortando o ar
Transtornada a alma emudecida, nao sabia como dizer o que
sentia
Nao sabia como chorar, a alma retorcida pelos passados acumulados
Os dias transbordavam de sua ânfora cardíaca, outra mágoa
não cabia
Outro silêncio não falaria mais da solidão que lhe trazia as
noites vazias
O tempo escorrendo pelos olhos, úmido e intumescido, junto
as horas
Da madrugada de seu despertar, quando olhava em silêncio
seus olhos a fitar
O medo e crime de seu eu assassinar, sempre pelo mesmo
inicio de um nova
Vida sepultar, quando defunto os dias de engano de uma dor
sem volume
O navio chegando ao fundo, de novo a queda que parte torturante
para o cume
Sem saciar, sem apaziguar o terreno dos dias nascidos para
morrer
Não poderia se esquecer de tudo que não foi viver, não
poderia de novo olhar
O retorno insubmisso de sua escravidão, o tempo passado e
talvez o futuro
Quando no silêncio quebrado pelos cacos caindo no chão, os
filetes
De seu reflexo estilhaçado no espelho, transbordado, quando
a hora
Do embrutecido carrilhão, lhe assomou mais um minuto de
fardo
Saltaram-lhe os olhos da cara, fechados os dias da visão,
uma súbita parada
O desmoronamento da cardíaca ilusão, era a noite fechada no
peito em silencio
E um velório marcado no féretro olhar do seu reflexo e
solidão
.
.
Caia um dia no tempo,
Caia um homem no chão
Se não dermos voz ao silêncio,
Morreremos todos de fome
E inanição